quarta-feira, 30 de junho de 2010

O tempo

Um dia um garoto encontrou um diário no fundo de uma gaveta. Ele pensou duas vezes antes de abrir. Eram os segredos de alguém, que não era ele. Entre a curiosidade e o respeito ele escolheu a curiosidade. Sua surpresa se mostrou nos olhos. Os olhos pequenos de um garoto, que era só um garoto. O que ele encontrou ali foi uma parte de si mesmo e outra parte do que queria ser. Quando as palavras falavam dos sonhos, pareciam ter sido escritas por ele mesmo. Quando falavam de amor, elas o inspiravam a ser como o príncipe com quem sonhava a dona do diário.
Quando aquele garoto cresceu, descobriu que a vida era muito diferente das palavras do diário de alguém que era como ele.
As unhas que fazem carinho na pele. O vapor que sai da boca quando faz frio. O sol que nasce as seis e quarenta e cinco e faz agente fechar os olhos... Onde está tudo isso agora? Longe... Bem longe.
Os cem quilômetros que antes se igualavam ao infinito agora parecem perto demais.
O homem que se fez daquele garoto teve que aprender que não há uma princesa esperando ser salva em nenhuma torre, em nenhum lugar do mundo. Esse príncipe se cansou de sofrer e vai amarrar seu cavalo branco onde ninguém possa encontrar... Ou talvez o liberte.
Não, ele não vai amarrar seu cavalo. Vai transformá-lo em um foguete para que juntos possam tocar a lua. A lua é bem maior que uma princesa qualquer.
E se ele se cansar da lua? Dizem que ela só é bela para quem vê de longe...
Ele não se importa... Só não quer perder tempo com princesas que não querem príncipes... Só não quer ser o brinquedo de uma criança que não sabe como quer brincar... Que não sabe se quer brincar.
Ele sabe que seu cavalo pode ser tudo, menos uma máquina do tempo... Por que o tempo não conhece o caminho de volta.

sexta-feira, 18 de junho de 2010

O "não"

Ainda me lembro daquele dia. Meu primeiro e significativo “não”. Um garoto mimado e não habituado a esta palavra sente a mais profunda dor quando isso acontece. Um “não” para meus sonhos, um “não” para a forma como eu havia imaginado minha vida por todos os dezoito anos antes daquele dia. Um nome em uma lista pode não significar nada, mas para mim era tudo.
No primeiro momento, tentei pensar em outras coisas e simplesmente fingir que nada estava acontecendo. Sempre odiei ser alvo da piedade alheia. Sempre odiei ver aqueles que amo sofrerem por me ver sofrer.
Guardei minhas lágrimas e derramei-as todas junto com a água que banhava meu corpo. A água quente caindo sobre os ombros e as lágrimas frias escorrendo pelos olhos. É assim que os homens choram, derramando o dor que não se sente na frieza dos sentimentos que não se mostram.
Ainda me sentindo um fracassado fui obrigado a me reunir a outros que também se sentiam assim. Era difícil acordar de manhã. Era difícil não imaginar a repetição daquele dia. Por quanto tempo? Ainda não sei e espero com todas as minhas forças que não se repita mais, mas hoje estou mais preparado. Nem as lágrimas, nem a angústia de não conseguir me atingiriam.
Aquela dor me perseguia e me maltratava, impedia o sorriso que sempre estivera e meu rosto. Contrariei minhas próprias teorias sobre a felicidade. Um dia,no entanto, percebi que ela já não estava ali. Fiz questão não procurar por ela e abri meus olhos para a felicidade que todos temos dentro de nós. Uma derrota é sempre uma vitória quando ampliamos nosso ângulo de visão.
Sim, eu cresci com aquele “não”. Retirei a venda que tapava meus olhos e me impedia de ver o mundo como ele é sem destruir meu mundo. O mundo que criei para fugir deste e que me inspira a criar. Conheci muitas pessoas e fiz grandes amigos. Reconheci meus defeitos e aprendi a superá-los. Aprendi que a distância que nos separa dos nossos sonhos é proporcional ao valor que damos a sua realização.
Não há obstáculo que não se possa transpor, nem dor que não se possa superar.

terça-feira, 15 de junho de 2010

O astronauta




Assim que terminei o blog me deparei com meu primeiro desafio. O que escrever nele? Depois de algum tempo cheguei à conclusão de que o melhor seria me apresentar. Surgiu então o segundo desafio. O que eu diria sobre mim? Seria fácil dizer o que os outros pensam a meu respeito, mas eu nunca quis ser o que pensam que eu sou. Acho que, no fundo, sempre fui o que esperavam que eu fosse sem me perguntar se era assim que eu queria guiar minha vida. Meus sonhos são de fato meus? Sim é a resposta que grita do meu peito. Meus sonhos são uma boa definição de mim, pois dedico todo o meu tempo na luta desesperada por alcançá-los. Que sonhos são esses?
Uma vez ouvi em algum lugar que há dois tipos de homem: o astrônomo e o astronauta. O astrônomo é aquele que observa as estrelas sem nunca deixar o chão. Ele reconhece cada um dos pontos que vê no céu depois que o sol se vai, mas seus pés nunca pisaram outros solos. O astronauta, ao contrário do primeiro, parte para o céu sem saber o que vai encontrar guiando-se apenas por seu instinto de aventura.
Eu quis ser astronauta desde os cinco anos de idade... Antes disso eu queria ser super herói. Não era voar no céu, nem derrotar vilões, nem salvar donzelas indefesas o que eu queria. O que me encantava neles era a forma como ajudavam as pessoas. Um dia, fiquei muito doente. Foi então que conheci um astronauta. Ele se vestia de branco, tinha um sorriso grande e sempre fazia com que eu me sentisse melhor. Passei o meu aniversário no hospital e foi um grande consolo quando ele disse: “Hoje também é o meu dia”.
Eu nasci no dia 18 de outubro... O dia do médico. É isso o que eu quero ser desde os cinco anos.
É triste pensar que nas salas lotadas do cursinho em que estudo, e de todos os outros, um imenso número de pessoas também quer fazer medicina. É mais triste ainda pensar que quase nenhum deles quer ser, de fato, médico. Eles querem ser doutores. Os doutores são os cafetões da dor humana, que a exploram como uma prostituta sem alma e sem sentimentos. É a dor humana que lhes fornece carros, viagens e tudo mais o que o dinheiro puder comprar. Os médicos são aqueles que vêem em uma lágrima um sorriso em potencial e dedicam suas vidas às vidas daqueles que necessitarem de apoio. Não quero ser doutor. Quero ser astronauta.