Eu costumava ser mais favorável às esquerdas... Naquele tempo, eu acreditava que a
igualdade social plena seria a forma mais eficaz de conter o sofrimento...
Depois,com minha própria dor, descobri que nem todo sofrimento é material... Mas isso é coisa para outra história...
No segundo ano do ensino médio, para um trabalho multidisciplinar,
li “ O manifesto do partido comunista” e saí fanaticamente, na exacerbação de
meus hormônios juvenis, esbravejando que aquela era a solução, mas fiquei
profundamente decepcionado quando descobri o que fizeram da doutrina de Marx. Olhei
a política ao meu redor e parei de crer em uma solução. Tornei-me, como os da minha
geração, um ser apolítico, apático em relação ao mundo, que faz mais por si que pelo outro ou pelo todo, sem um
pensamento ou ideologia definida, que segue a vida por seguir, mesmo não se
sentindo bem com a indiferença, e que não sabe em quem votar nas eleições...
Mas, sobre sistemas de governo, eu, na minha humilde e pouco
politizada ilusão, penso ainda em um mundo sem governo, sem dinheiro e sem dor,
onde a única lei seria a lei do amor. “Ame ao próximo como a ti mesmo”... Ame a
ti mesmo... Ame ao próximo...
Nesse mundo imaginário, todos teriam as mesmas
oportunidades, mas suas diferenças seriam levadas em consideração. Não se
escolheria uma carreira por dinheiro, mas pelas próprias aptidões e todas as
funções teriam o mesmo valor, sendo exercidas com o prazer de fazer-se útil ao
todo. Não se faria o mal ao outro, a si, nem ao que seria de todos... Cada ser
humano seria capaz de reconhecer em tudo o que o cercasse algo digno de seu
cuidado, atenção e, principalmente, do tempo, que nunca lhe pertenceu, mas
sempre chamou de seu.
Matar? Roubar? O integrante dessa sociedade desconheceria
tudo o que é indigno da atenção humana... Ele não se deteria aos pequenos e mundanos
desprazeres, não saberia desfazer o bem, não saberia desamar e não conheceria a
dor...
Então, chegaria o dia em que, sabedores de que ainda havia
sofrimento em algum lugar do Universo, alguns desses indivíduos sairiam a
pregar a sua paz e migrariam para outros cantos... Seriam notáveis e
visivelmente diferentes do todo... Sofreriam por isso... Talvez se sentissem
impotentes diante de tanta loucura... Tanta dor... Pode ser que ficassem loucos
também... Mas, ainda assim, amariam ao próximo... Ainda que o próximo desconhecesse
o amor, eles o ensinariam como sorrir nos momentos mais
impróprios.
No meio da imperfeição, eles descobririam seus próprios
defeitos... Suas fraquezas tão humanas... Talvez se culpassem por elas, até
descobrirem que a culpa é um entrave para o amor, pois não ama a si mesmo quem
se sente culpado. Também não ama ao próximo, por que só se ama realmente alguém,
depois que se aprende a amar a si mesmo.
Então, conhecendo-se melhor e amando melhor, eles voltariam
para casa. Lavariam seus pés, repousariam seus corpos, dormiriam em seus leitos
macios e matariam a saudade dos que ficaram. Na manhã seguinte, veriam o nascer
do sol e descansariam seus olhos com a visão dos belos jardins. Então, diriam à
pessoa amada: É hora de partir novamente, pois ainda há dor. Volto em breve,
para um novo repouso.