domingo, 25 de agosto de 2013

Ser ou Não-ser?


Era o primeiro dia de aula de anatomia. Eu, ainda anestesiado pela ideia de cursar medicina, cheguei afoito na sala e que surpresa ao me deparar com dois corpos imóveis sobre a mesa. Corpos, apenas corpos... Como máquinas há muito abandonadas pelo condutor.

Tal realidade fez com que eu parasse e refletisse a respeito da existência. Seria realmente válido viver em busca de objetivos carnais, visto que sou possuidor de um corpo tão frágil? Beleza, juventude e fortuna valem mesmo a pena?

Os gregos já acreditavam no caráter dual do ser. De um lado, a alma, parte imaterial e pensante do indivíduo. De outro, o corpo, material, apenas realizador das funções da matéria.

Diante daqueles corpos percebi o quão pequenos somos nós, seres humanos, que em nossa arrogância dizemos ser “filhos do  Criador”. Não deixo de acreditar que de fato o somos. Seríamos, no entanto, os únicos? Quem poderia dizer que o mais ínfimo dos seres vivos não é nosso irmão e, assim como nós, herdeiros do universo? A questão é que a humanidade, ao longo de sua marcha evolutiva, apoderou-se das coisas e as chamou de suas... Mas, desde o menor dos insetos ao maior dos mamíferos, somos todos iguais. Nós usufruímos os mesmos compostos orgânicos e inorgânicos e as mesmas substancias formam nossa matéria perecível.

Apesar disso, dedicamos nossas vidas a negar a finitude da carne. Só que em algum momento deparamo-nos com a realidade que negligenciamos: A morte. Cosméticos, cirurgias plásticas... Disfarces, apenas, para afastar a ideia de que somos perecíveis... Mas ela (a morte) sempre vem, cedo ou tarde, rápida ou lentamente.

Acontece que essa dama tão temida leva apenas parte do que somos... A parte que nos serviu pelo tempo em que vivenciamos a experiência terrena... Mas o que de fato somos? O que foram aqueles corpos desabitados antes de serem postos naquela mesa a servir de estudo para jovens pretenciosos, afoitos pelos saber? Eles, os corpos, foram consciências racionais... Seres pensantes, que desempenharam algum papel na sociedade humana e, de certa forma, ainda desempenham ao permitir que suas máquinas orgânicas nos sirvam (a mim e a meus colegas) de material de estudo.

Onde, no entanto, estaria a parte pensante de cada um daqueles indivíduos?  De onde vieram... Onde viveram antes de habitar tais instrumentos?

 Essas respostas, meus amigos, foram buscadas por diversos mártires do pensamento humano, que dedicaram suas vidas a abrir os olhos de seus contemporâneos para a verdade óbvia: somos, simultaneamente, mortais e eternos, instinto e razão, materiais e imateriais... Após a morte do corpo, nossa consciência permanece viva a executar os mesmos raciocínios com o objetivo de evoluir rumos à  imagem e semelhança do Criador. O corpo, nossa parte mortal, degenera sob o solo e seus componentes moleculares, iônicos, elementares passam a servir de molde para que novas vidas materiais se desenvolvam (fungos, bactérias... etc) e, assim, inicia-se um novo ciclo capaz de interligar tudo o que é vivo.

Tal raciocínio nos leva a perceber que não há morte de fato se a alma é eterna e o corpo alimenta a vida de outros seres, o que fez dessa dama um conceito abstrato, irreal... Somos, portanto, eternamente vivos, material e imaterialmente, condenados à existência e  à infinitude.

domingo, 18 de agosto de 2013

Entre saudades e lições



Quando meu nome surgiu naquela tela, confesso, duvidei da realidade que se mostrava tão bela. Tal dúvida permaneceu comigo até o momento em que me vi obrigado a refletir sobre o caminho q me escolheu ( a medicina) e das responsabilidades que carrego desde que fui escolhido, as quais se mostraram simultaneamente óbvias e incompreensíveis.
“Ama a teu próximo como a ti mesmo”, eis o segredo da felicidade passado por nós há séculos pelo maior de todos os homens, mas até hoje pouco compreendido pela grande maioria dos mortais. É esse o pilar da profissão à qual fui guiado pelos caminhos da vida e pela qual me apaixonei. Na semana que se foi, no entanto, aprendi na prática como pessoas de mundos tão diversos podem se amar simplesmente, desde que estejam dispostos a ver além das pré-concepções, estereótipos formados,  e levar o “nós” a um patamar superior ao “eu”. Amor, em suas mais amplas formas, envolve a compreensão do outro, o toque, o abraço apertado, a confiança, o respeito, o carinho, a cumplicidade. Pude, então, ser mais eu do que nunca e descobrir dentro de mim sentimentos tão bonitos e verdadeiros que cativei em troca as pessoas que me cativaram. Nelas, causei a impressão de que eu possuía apenas aqueles sentimentos que se exteriorizaram ali deixando oculto o fato de que, como a maioria das pessoas, nem sempre sei ser tão tranquilamente eu nas relações cotidianas.  Talvez seja a hora de dizer que minhas qualidades, ainda que exaltadas nessa semana, são pequenas na imensidão dos meus defeitos. Mas aprendi com a vida o dom da auto-análise crítica e sincera para ser moldado por mim rumo ao crescimento.
Crescimento... Não seria esse o motivo da vida? Que outra finalidade teriam as dores Às quais somos submetidos senão o aprendizado? Ser a cada dia melhor do que no dia anterior...
Agora, sinto que começa para mim uma nova fase e, certamente, não será composta apenas por momentos bons, visto que trará consigo belos desafios. Estes, eu estou disposto a aceitar com tranqüilidade, já que, quando tudo se for, serei alguém infinitamente melhor.

Descobri, quando os piores/melhores momentos de minha vida haviam passado, que há uma fórmula infalível para anestesiar a dor: A fé... Sim, leitor, a fé é o escudo mais forte contra os ataques ferozes da vida. Não falo aqui da fé em uma divindade, geralmente atrelada às religiões. Refiro-me à fé na vida e na transitoriedade das situações. Afinal, é verdade que as dores se vão, as alegrias também. Das primeiras guardamos lições, das segundas, apenas saudade.