Era
fim da manhã no ambulatório de otorrinolaringologia de um hospital
universitário qualquer. Não mais prontuários sob a mesa e a Staff, uma mulher
de meia idade que ostentava um corpo esbelto, olhos claros e uma vasta
cabeleira loura, papeava com o grupo de internos e residentes, cuja pele e o
jaleco tinham quase a mesma cor.
Timidamente,
da ralé de sua mais baixa posição na hierarquia médica, três graduandos pretos
tinham nas mãos o papel que lhes atestaria presença e aguardavam ansiosos pelo
carimbo e assinatura da Doutora.
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A senhora viu que a redação do ENEM deste ano foi sobre deficiência auditiva?
Perguntou uma das residentes louras.
Os
olhos da Otorrinolaringologista brilharam e de entre seus lábios saíram
palavras bonitas sobre o quanto era importante que agora dessem visibilidade a
um problema que afeta tantas pessoas. Mas, ao fim da enunciação eufórica, seu
semblante mudou de repente para algo quase decepcionado e falou inocentemente:
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É... Mas agora entra todo mundo na universidade... Entre preto, entra índio, só
não entra quem estuda!
A
residente deu trela e o assunto continuou por mais algum tempo.
Os
três graduandos, invisíveis em cantos distintos da sala, fitavam os sapatos
brancos desejosos de assinatura e carimbo para fugir logo daquele lugar
apertado. Mas as palavras continuava a chicotear sangrando em suas costas e
massacrando a pouca estima que ainda sentiam por si mesmos. Que pena olharem
para o chão, pois se vissem uns aos outros talvez teriam encontrado o mínimo de
força.
Ainda
fitava o chão, quando voltou pra casa o que tinha o privilégio de voltar
caminhando. Enquanto seu sapato branco rastejava entre o tapete vermelho de
flores de flamboyant, permitiu que uma lágrima lhe fugisse dos olhos. Apenas
uma, as outras ficaram contidas e se tornaram ira. Jaleco branco na pele preta,
choro baixo é luta!