domingo, 22 de agosto de 2010

Meus muros


Escrevo este para, literalmente, contar um sonho. Contando sonhos é o nome do meu blog, porém o único sonho que tenho narrado é meu amor pela medicina. Confesso que essa luta tem preenchido minha vida nos últimos meses, ou anos. Talvez eu tenha perdido parte significativa da minha juventude, mas não é isso que eu quero dizer hoje.
Há algum tempo a tristeza rondava minha vida. Justamente aquela dor que narrei em um dos textos. Às vezes eu chorava escondido, em outras eu tentava me convencer que tudo vai dar certo... Um dia. Esse dia, no entanto me parecia algo tão distante e tão intocável. Era uma dor profunda, mas era também uma dor egoísta. Caro leitor, faço a você um pedido: Nunca se perca nas próprias dores! Nunca se sinta perdido dentro de si mesmo por julgar ser longo e tortuoso demais o seu caminho! Todos os caminhos são longos e todas as dores são profundas. Um caminho, para valer à pena, deve contar com algumas pedras e alguns tropeços.
Na última sexta feira, quando me aproximei do apartamento onde moro, me deparei com uma cena no mínimo nauseante. Um homem, ou um garoto, que aparentava possuir mais ou menos a minha idade revirava meu lixo a procura de algo pra satisfazer as dores do próprio estômago, que gritava. Eu podia ouvir aqueles gritos. Pediam por dignidade. Algo que o fizesse se sentir um ser humano. Tive vergonha. Vergonha de mim mesmo. Dos meus motivos alienados de viver. Da hipocrisia de querer fazer o bem e não ter coragem o suficiente de olhar nos olhos de alguém que é como eu, um ser humano. Será que ele se considera um ser humano? Eu não me considerei naquele momento. Eu era um mauricinho de cidade pequena que reclama da vida perfeita. Sim, perto dele minha vida é o sonho mais bonito que se pode ter. Eu me senti culpado por ter tudo enquanto ele, e muitos outros, não têm nada. A mesma culpa que eu sentia na oitava série quando alguma de minhas professoras me comparava com um de meus colegas exaltando minhas qualidades e diminuindo o outro, que muitas vezes era um de meus amigos. Amigos... Onde estão meus amigos daquele tempo? A vida os levou por caminhos distintos. Caminhos nem sempre tão perfeitos como o meu. Por quê? Quando eu era criança, às vezes eu me perguntava por que eu tinha o vídeo-game mais moderno da época e toda a coleção dos bonecos do Dragon-Ball Z. Eu queria que todos tivessem... Aos dezesseis anos eu li “O manifesto do partido comunista”, de Karl Marx. Em minha pretensão eu achei que tivesse entendido alguma coisa. Saí por aí gritando que o melhor para o mundo era a revolução e que só os socialistas sabiam o que era lutar pelo povo... Bastou que eu estudasse história para perceber que isso não era verdade e, por mais que fosse bela a doutrina de Marx, era uma utopia. A humanidade não está preparada para a igualdade, ainda não está.
Na manhã de sábado perdi muito tempo refazendo minhas antigas perguntas, adormecidas desde que comecei a estudar numa escola para burgueses. Muitas aulas passaram sem que eu conseguisse me concentrar. Quando adormeci depois do almoço eu tive um sonho. Mais que um sonho, foi uma lição.
Um mar de águas mais que cristalinas se perdia diante de meus olhos. Como era bonito... Eu queria mais do que observar. Queria me refrescar naquele mar. Mergulhar naquelas águas e me perder naquele infinito azul e verde. Eu tinha um sorriso em meu rosto e outro em minha alma. Era a mais bela visão, quase inimaginável e indescritível. Meus passos se guiaram na maior velocidade que puderam, mas uma coisa o impediu de continuar. Imensas muralhas surgiram diante de mim. Qualquer um desistiria, mas eu, caro leitor, gosto de escalar muralhas. Um tanto quanto masoquista, eu confesso, mas é bom chegar ao topo. Escalei com força, com garra e, no topo, uma mão sem rosto me ajudou a terminar. Lá de cima eu vi os outros muros que eu precisaria escalar depois daquele... Eram ainda maiores. E, além deles, pessoas brincavam naquela água azul. Quando olhei para seus caminhos, no entanto, não vi nenhum muro. Que injustiça! Por que só eu tenho que escalar tanto? Foi o que pensei, mas aquela mão apontou para algo atrás de mim. Virei-me e observei muros muito maiores do que os meus.De alguns deles eu sequer via o topo. Se aquelas pessoas agora brincavam na água é por que já tinham escalado muito. Foi então, caro amigo, que acordei. Ainda não consegui compreender todas as metáforas, nem tenho a pretensão de compreender completamente. Mas eu sei que tenho muros para escalar. Todos nós temos.
Qual é o meu dever nessa sociedade? Se alguém tiver a resposta, por favor, me ajude a desvendar esse mistério tão insignificante.