Escrevi esse texto para tentar convencer os meus calouros a aderir a um projeto apresentado a eles no inicio do curso, mas dei tanto de mim a essas palavras que eu não pude deixar de publicar aqui. Devo avisar que o que está escrito aqui não é para todos vocês (infelizmente)... Escolhemos nossas profissões por diversos motivos. Todos eles merecem
respeito, mas eu dedico as palavras seguintes para aqueles de vocês que, como
eu, um dia quiseram ser super-heróis.
Quando criança eu queria ser como o Super Homem, o Batman, o
Homem Aranha ou como todos eles... Sim, eu queria voar pelos ares, ser
forte e inteligente como eles e ter sempre uma bela donzela em perigo gritando
alucinadamente por mim. Apesar disso, eu queria, principalmente, fazer a
diferença na vida das pessoas.
Mais velho, procurei entre as profissões aquela que mais me
aproximasse disso e, ainda que tudo me levasse a desistir, eu não via outro
caminho a seguir. Foram muitas pedras no caminho... Em uma delas tropecei,
quase cai e me esqueci, por um tempo, o que me trouxera até ali. Afastei-me de
todas as pessoas, exceto daquelas que me amavam o suficiente para nunca me
abandonar. Em meio a essa busca quase sem sentido, eis que venci. Vi,
finalmente meu nome escrito naquele site... Não era bem uma lista, como
imaginei, mas meu nome estava ali... A partir daquele instante fui bombardeado
de pessoas e sorrisos desconhecidos e um convite quase assustador. Por que
aceitei? Porque eu sentia a falta do mundo que havia abandonado por causa
daquela maldita pedra e tinha dentro de mim a ansiosa vontade de recomeçar.
Lá, naquele lugar tão mágico, tive um encontro maravilhoso
com meu eu pequeno... Ele me perguntava:
“O que nos trouxe até aqui?”. Eu, em pensamento, respondia: “Pessoas... O amor
que eu sentia por elas... A vontade de fazer algo mais...”. Eu, então, senti,
mais que nunca, a certeza de estar no caminho certo... Agradeci a Deus por não
ter permitido que eu desistisse... Senti que todas as pedras valeram à pena
para que eu estivesse ali, naquele instante, diante de mim mesmo.
Eis que retornei à Brasília sorrindo de uma orelha a outra e
disposto a uma nova vida. Na primeira semana fui o calouro mais insano, ou um
deles... Então o semestre começou de fato e vi alguns de meus colegas se
matando por um SS e não consegui, como ainda não consigo, ver sentido algum
nisso. ( Se você, como eu quando entrei na faculdade, ainda não sabe o que é um
SS, substitua por um 10 nos tempos de ensino médio). De verdade, eu
me decepcionei com meu curso... Não que eu esperasse uma matéria chamada “Como
salvar o mundo em 24 horas”, mas eu não imaginava nossos pacientes mortos
pudessem ser tão frios, nem que era tão desinteressante decorar, simplesmente
decorar, nomes e funções de cada minúsculo
pedaço deles. Foram noites e noites de
estudo, muito mais que no ensino médio ou cursinho... Só continuei por que
havia conhecido a parte humana do meu curso, uma semana antes das aulas
começarem... Só continuei, continuo e vou continuar sempre, porque aceitei
aquele convite.
Naquele lugar percebi, ainda que uma parte de mim já
soubesse disso, que pacientes são muito mais que sua doença. Não importa que
caminho eu vá seguir quando eu me formar, mas nunca pretendo me esquecer de
como lidar com seres humanos, porque para isso é preciso também ser humano.
O que acontece nos dias de hoje é que médicos, fisioterapeutas,
enfermeiros, nutricionistas, psicólogos e outros profissionais da saúde se
esquecem de que seus pacientes não são mais os mortos gelados dos primeiros
períodos e continuam a tratá-los como tal ou, pior que isso, eles tratam essas
PESSOAS como partes dos defuntos mortos. As partes doentes... Esquecem-se de perguntar o que de fato as levou ao tal consultório ou o que levou os próprios
profissionais até ali. Falta lembrar que somos integralmente seres humanos e
tudo em nossas vidas influencia para o quadro geral de saúde ou doença. Falta o
interesse em conhecer aqueles indivíduos em sua vida diária... Falta fazer a
diferença... Acontece que não é preciso ter poderes para ser um herói, basta
ter a vontade de ajudar alguém.
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