sexta-feira, 7 de fevereiro de 2014

O que te trouxe até aqui?




Escrevi esse texto para tentar convencer os meus calouros a aderir a um projeto apresentado a eles no inicio do curso, mas dei tanto de mim a essas palavras que eu não pude deixar de publicar aqui. Devo avisar que o que está escrito aqui não é para todos vocês (infelizmente)... Escolhemos nossas profissões por diversos motivos. Todos eles merecem respeito, mas eu dedico as palavras seguintes para aqueles de vocês que, como eu, um dia quiseram ser super-heróis.
Quando criança eu queria ser como o Super Homem, o Batman, o Homem Aranha ou como todos eles... Sim, eu queria voar pelos ares, ser forte e inteligente como eles e ter sempre uma bela donzela em perigo gritando alucinadamente por mim. Apesar disso, eu queria, principalmente, fazer a diferença na vida das pessoas.
Mais velho, procurei entre as profissões aquela que mais me aproximasse disso e, ainda que tudo me levasse a desistir, eu não via outro caminho a seguir. Foram muitas pedras no caminho... Em uma delas tropecei, quase cai e me esqueci, por um tempo, o que me trouxera até ali. Afastei-me de todas as pessoas, exceto daquelas que me amavam o suficiente para nunca me abandonar. Em meio a essa busca quase sem sentido, eis que venci. Vi, finalmente meu nome escrito naquele site... Não era bem uma lista, como imaginei, mas meu nome estava ali... A partir daquele instante fui bombardeado de pessoas e sorrisos desconhecidos e um convite quase assustador. Por que aceitei? Porque eu sentia a falta do mundo que havia abandonado por causa daquela maldita pedra e tinha dentro de mim a ansiosa vontade de recomeçar.
Lá, naquele lugar tão mágico, tive um encontro maravilhoso com meu eu pequeno...  Ele me perguntava: “O que nos trouxe até aqui?”. Eu, em pensamento, respondia: “Pessoas... O amor que eu sentia por elas... A vontade de fazer algo mais...”. Eu, então, senti, mais que nunca, a certeza de estar no caminho certo... Agradeci a Deus por não ter permitido que eu desistisse... Senti que todas as pedras valeram à pena para que eu estivesse ali, naquele instante, diante de mim mesmo.
Eis que retornei à Brasília sorrindo de uma orelha a outra e disposto a uma nova vida. Na primeira semana fui o calouro mais insano, ou um deles... Então o semestre começou de fato e vi alguns de meus colegas se matando por um SS e não consegui, como ainda não consigo, ver sentido algum nisso. ( Se você, como eu quando entrei na faculdade, ainda não sabe o que é um SS, substitua por um 10 nos tempos de ensino médio). De verdade, eu me decepcionei com meu curso... Não que eu esperasse uma matéria chamada “Como salvar o mundo em 24 horas”, mas eu não imaginava nossos pacientes mortos pudessem ser tão frios, nem que era tão desinteressante decorar, simplesmente decorar,  nomes e funções de cada minúsculo pedaço  deles. Foram noites e noites de estudo, muito mais que no ensino médio ou cursinho... Só continuei por que havia conhecido a parte humana do meu curso, uma semana antes das aulas começarem... Só continuei, continuo e vou continuar sempre, porque aceitei aquele convite.
Naquele lugar percebi, ainda que uma parte de mim já soubesse disso, que pacientes são muito mais que sua doença. Não importa que caminho eu vá seguir quando eu me formar, mas nunca pretendo me esquecer de como lidar com seres humanos, porque para isso é preciso também ser humano.

O que acontece nos dias de hoje é que médicos, fisioterapeutas, enfermeiros, nutricionistas, psicólogos e outros profissionais da saúde se esquecem de que seus pacientes não são mais os mortos gelados dos primeiros períodos e continuam a tratá-los como tal ou, pior que isso, eles tratam essas PESSOAS como partes dos defuntos mortos. As partes doentes... Esquecem-se de perguntar o que de fato as levou ao tal consultório ou o que levou os próprios profissionais até ali. Falta lembrar que somos integralmente seres humanos e tudo em nossas vidas influencia para o quadro geral de saúde ou doença. Falta o interesse em conhecer aqueles indivíduos em sua vida diária... Falta fazer a diferença... Acontece que não é preciso ter poderes para ser um herói, basta ter a vontade de ajudar alguém.

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